Agentes
afirmam que esquadrões de morte são organizados por policiais de “patente alta”
e há envolvimento de políticos
Por
Igor Carvalho-Revista Forum
Dois policiais militares foram
convidados a participar de grupos de extermínio que se organizam dentro da
Polícia Militar do Estado de São Paulo. Ao recusar o convite,
passaram a ser perseguidos dentro da corporação. P1 e P2, como serão chamados
nessa matéria, estão ameaçados de morte, sofrem com escalas desumanas de
trabalho e seguem isolados dos demais companheiros.
P1 e P2
aceitaram falar, sob condição de anonimato, comFórum. Foram
necessários três encontros sem qualquer entrevista gravada, apenas negociando.
Somente na quarta reunião, em um local reservado, no interior de São Paulo, os
agentes decidiram falar. Foram mais de três horas de entrevista, com acusações
que revelam uma estrutura corrompida e precária da Polícia Militar.
Os agentes afirmam que os oficiais de
“patente alta” são responsáveis pela imagem ruim da corporação. Para P1 e P2, a
perseguição a cabos, soldados e sargentos é equivocada. Os assassinatos
feitos por encomenda e o envolvimento com comerciantes, para prestação de serviços de
segurança, tem aval de policiais de alta patente. “A coisa é grande, é gente
grande, tem político envolvido no meio.”
Os números mostram que ações violentas
fazem parte do cotidiano das polícias paulistas. De 2001 até 2011, policiais em serviço ou em folga foram
responsáveis pela morte de 6.809 pessoas, no estado de São Paulo. A
cifra é quase o dobro do total de civis mortos por agentes americanos em todos
os estados dos EUA no mesmo período. Os índices fizeram com que, em maio de
2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugerisse ao Brasil a extinção da
Polícia Militar.
Em 2012, 547 pessoas foram
assassinadas em confronto com a Polícia Militar no estado de São Paulo. Os
casos são registrados com o “auto de resistência seguida de morte”.
“Está tão na cara que não é verdade, que não tem mais quem acredite. Se os
oficiais inventarem esse teatro para se proteger nada acontece”, afirma P2,
sobre os autos. Além dos números oficiais, há uma quantidade grande de
homicídios que também podem ser responsabilidade de grupos de extermínio.
Confira
a entrevista abaixo:
Fórum
- Existe
grupo de extermínio dentro da PM, no estado de São Paulo?
P1
- Sim, existe.
Fórum
- Como
operam esses grupos?
P1
- Como posso falar? Existem vários interesses que vem
desse pessoal, dos comandantes, de querer algo em troca. É muita autoridade que
dão para eles. Ou seja, ele comanda uma área, essa área é subordinada a ele,
que é o chefe, passa atribuições, passa tais serviços e coloca você para trabalhar para
outras pessoas. É ele que vê para onde a viatura vai ter que se deslocar, quem
vê em quais comércios as viaturas vão ficar. Se você for contra os ideais do
comando, é colocado em um pelotão em que vai ter que fazer alguns serviços
desumanos, questão de horas de serviço, a sua escala vai ser pior, é um jogo
mental. As pessoas que fazem o que eles [comandantes] querem, tem melhor
escala, se tornam protegidos.
Fórum- Fazer o que eles querem, é
participar de grupos de extermínio?
P1- Isso.
Se for o caso, se for chamado para isso. Se você vê alguma coisa e delatar, sua
família e você vão correr risco também.P2 - O que você quer saber é o seguinte:
Tudo começa com os oficiais, não com a gente aqui embaixo. São oficiais,
grandões. Quem comanda isso é gente de patente alta, todo mundo está enganado.
Todo mundo só averigua soldado, cabo, sargento e até um tenente, mas não é, é
coronel, é capitão e major. A coisa é grande, é gente grande, tem político
envolvido no meio.
Fórum
- Que tipo
de político está envolvido no meio?
P2
- Você quer um exemplo? Na minha unidade tem um sargento
que é o capanga de um político, ele é o testa de ferro dele. Esse cara se
tornou o escalante na minha unidade, ele coloca a
viatura aonde quer. Se os caras vão fazer algum tipo de serviço sujo em
determinado local, ele tira a viatura dali e coloca em outro lugar.
Fórum
- “Se os
caras”? Quem são os “caras”?
P2
- Oficiais. Capitão e major. Ou mesmo o político. Então, é
isso que acontece, só gente grande. Se nós fizermos algo, acabou pra gente,
estamos numa situação de escravidão. Eu e o colega [outro policial presente na
entrevista] estamos numa situação de escravidão. Estamos passando justamente o
que você está perguntando, se a gente não participa [grupos de extermínio], a
gente não presta.
Fórum
- Vocês já
participaram?
P2
- Não e não quero.
Fórum
- O que
acontece com quem se recusa a participar dos grupos de extermínio?
P2
- Sofre como estamos sofrendo: tortura psicológica,
escalas, eu fui trancado numa sala, fui trancado por um sargento, porque estou
afrontando um oficial, e ele é o braço direito desse oficial.
Fórum
- Mas
já te intimaram a participar desses grupos?
P2
- Já. Você não
tem noção do que é isso aí, é uma máfia, pior do que o PCC. Você não tem noção
do que é isso aí por dentro.
Fórum
- Que tipos
de interesses estão por trás desses grupos?
P1
- Começa com uma coisa de injustiça. Os policiais percebem
que estão fazendo a coisa certa, mas os bandidos estão sempre saindo pela porta
da frente. Aí começa o seguinte, a pessoa quer fazer justiça com a própria mão,
aí a pessoa perde aquele ideal de proteção à sociedade e passa a oferecer perigo.
Tem o envolvimento com o comércio, se torna um negócio, porque o cara tá
precisando de um “serviço” e falam “ah, tem um cara aí que faz”, aí o cara já
matou 10, 12, 15, começa a se tornar esse comércio de vidas.
Fórum
- Estamos
vendo chacinas nas periferias da cidade e na Grande São Paulo. Não me parece
que a motivação seja só comercial.
P2
- Aí o problema é social e de governo. O governo tem
autoridade para dar aumento para os “polícia”, dar rádio, armamento,
comunicação, mas ele não faz. O governador não gosta de polícia, ele só pisa em
polícia. O “polícia” está na rua imprensado, o povo não gosta de polícia e o
governo não ajuda, é confronto direto, o que o camarada faz? “Não tem jeito,
vou ter que partir para aquilo, vou ter que fazer”, e aí começa. Mata um, mata
dois, mata dez.
Fórum
- Ganha
gosto em matar?
P2
- Tem gente que mata por gosto e tem gente que mata por
necessidade. Veja bem: esse sargento que eu falei corre com gente errada,
vagabundo e político. Aí ele ganha poder e ameaça os policiais da corporação.
Chega na gente e fala: “Você tem filho e você tem pai, vou te matar”. “Ah, o
senhor vai matar?”. Antes de o cara me matar, eu mato ele. Aí começa. Aí é um
negócio que não para mais, porque aí você precisa matar outro, e outro, e não
para mais. E tem aqueles que fazem por dinheiro. Esse sargento ameaçou de morte
onze pessoas, tem uma firma em que o cara contratou ele. Funciona assim, o dono
da empresa não quer pagar os direitos dos funcionários, ele contratou uma
policial feminina e um policial, e eles foram nessa firma. Tem uma sala para
eles, eles foram fardados e de viatura. O sargento recebe os funcionários,
coloca a arma na cabeça e fala: “Se você não pedir a conta, eu mato você”, e
ele mata mesmo. Esse cara não trabalha na rua, trabalha “interno”.
Fórum
- Porque
vocês acham que morre tanto negro na periferia?
P1
- O que acontece é o seguinte, a Polícia Militar de São
Paulo é uma instituição forte, em que todo mundo tenta cumprir o certo. Isso
que está acontecendo são pessoas de má índole que estão querendo acabar com a
instituição. Mas veja bem, quem teria que fazer as coisas, não faz, foram lá
fazer acordo com o PCC, com o Marcola. É uma instituição que tem como melhorar,
mas as pessoas de patente alta não ajudam, não é todo mundo, não podemos
generalizar.
Fórum
- Como atua
um grupo de extermínio?
P2
- Os “patente alta” têm uma equipe deles, de Força Tática, de RP, ou de
Administração, eles têm os caras de confiança. Então, o que acontece, ele é o escalante, coloca uma
viatura onde quiser, sai e manda o pessoal fazer o trabalho e tira as viaturas
de perto.
Fórum
- Então, se
determinado oficial quer fazer uma ação em determinada área, ele tira as outras
viaturas da região para poder atuar?
P2
- Isso. Mas é só nego grande, não é gente pequena. Sargento
é pequeno, essa máfia é coisa pesada.
Fórum
- O que
vocês sentem, quando veem a forma como a Polícia Militar vem sendo tratada, com
tanto descrédito?
P2
- Eu sinto pena, porque entrei na polícia para ser
polícia, não vagabundo, vagabundo tem demais na rua. Então, assim, estou
indignado porque o certo é errado, e o errado é certo e isso está prevalecendo,
ou seja, estou sendo acusado por oficiais de fatos que não cometi, não tenho
como provar, estou dependendo de advogados, pagando esses advogados.
Fórum
- Tudo isso
porque não quis participar desses…
P2
- É. Eu fiz o certo, fiz tudo que está na lei, afrontei um
oficial grande, que não gostou de minha atitude. Estou sendo perseguido,
humilhado, não tenho escala, sem ambiente social, estou sendo ameaçado e
passando necessidade na minha casa.
Fórum
- Quando o
governador do estado coloca alguém que já comandou a Rota e que tem algumas
mortes nas costas, para comandar a Polícia Militar, vocês sentem que, de alguma
forma, quem está dentro pode entender que é uma carta branca para matar nas
ruas?
P2
- De todo jeito tem [essa carta branca], com ou sem ele.
Fórum
- Existem
grupos de extermínio fora da capital e Grande São Paulo?
P2
- Sim, mas a maior pegada é na Baixada Santista, a Baixada
é pior.
Fórum
- A
corregedoria e a Polícia Civil investigam o que acontece internamente, na
Polícia Militar?
P2
- Só soldado e
cabo. Foi o que eu falei, se eles fizessem um pente fino nos oficiais, vocês
iriam se surpreender, não têm noção do que acontece ali dentro.
P1
- Vocês sabiam que em 2006, quando começaram os ataques do
PCC, os oficiais alugaram quartos em um determinado hotel de Sorocaba e ficaram
se protegendo lá, enquanto que o policial e sua família estavam morrendo?
P2
- Presta atenção em algo: o governo quer colocar a
população contra a PM. Ele quer, não, está conseguindo fazer isso.
Fórum
- Como fica
o policial que tenta ser correto, ao ver tantos policiais que estão morrendo na
rua?
P2
- Revolta. É desmotivação.
P1
- Seus ideias começam a se perder. Como vou dar segurança
para a sociedade, se estou correndo risco de morrer? Começa a ocorrer uma
guerra interna na corporação. Pô, você sai para fazer o patrulhamento e a
cabeça fica pensando na mulher que tá em casa, no filho na escola.
Fórum
- Qual o
perfil do policial que atua em grupos de extermínio?
P1
- Calmo, bem sossegado, você nem imagina que ele seja
capaz de fazer esse tipo de coisa.
P2
- E é oficial, patente alta.
Fórum
- Se não
partir do governo ou da Secretaria de Segurança Pública, não haverá mudança?
P2
- Não terá. Ou o governo limpa o alto escalão da PM, ou
vocês não vão conseguir acabar com os grupos de extermínio. Tudo vem de lá, lá
de cima. Ou limpa-se o alto escalão da PM, ou não haverá jeito.
Fórum
- Nunca
houve, dentro da unidade, uma tentativa de denunciar e se levantar contra tudo
isso?
P1
- Estamos sufocados, não tem como. Se você abrir a boca,
vai para o Presídio Romão Gomes, direto.
Fórum
- Vocês
pensam em sair da polícia?
P2
- Várias vezes.
P1
- Bastante.
Fórum
- E porque
vocês ficam?
P1
- É a vontade de
fazer o correto, ainda acredito no ideal da Polícia Militar. A coisa mais
gostosa do mundo é quando alguém está passando uma necessidade e você pode
ajudar, aí depois a pessoa te procura e agradece pelo que fez.
P2
- Para
que você tenha uma ideia do que estamos sofrendo. Você já pesou na balança que
o que esses oficiais querem é a mesma coisa que o PCC quer? Você já parou para
pensar que os policiais que morreram é tudo praça? Não tem oficial. Por que? O
que nos chegou é que o acordo determinava que morressem somente praças
(patentes baixas) e em dia de folga. Sabe por que? Para o governo não pagar os
R$ 100 mil que a família tem direito, porque se morrer fardado tem que pagar o
seguro que é R$ 100 mil.
Fórum
– O
comando da Polícia Militar, hoje, faz parte desse contexto do crime organizado
em São Paulo?
P2
- Ele é o cabeça do crime organizado. É simples: o
comandante da Polícia Militar, como ele visa lucro? Multa. A Rodoviária
(Polícia) tem uma meta de multa, se não fizer aquele número ele tá fodido. Se
não fizer, é cana.
Fórum
– Vocês
identificam que no comando da Polícia existem pessoas que enriqueceram em um
nível que não é compatível com o que ganham?
P2
- (risos) Um
monte.
P1
- Eles têm motorista particular. Tem notebook, celular,
Nextel, carro, que ganham de parceiros, tudo de graça.
Fórum
– O
que vocês pensam da Rota?
P2
- É um mal necessário. Porque o governo descambou,
desmoralizou a Polícia Militar. A Rota chegou ao extremo, em sua atuação,
devido ao comando. O governo usa a Rota como se fosse escape, perdeu o
controle.
Fórum
– A
PM é treinada para proteger ou matar?
P2
- Hoje,
para porra nenhuma. Nem treinamento temos, nem bota para trabalhar eu tenho.
Fórum
– O
Tribunal de Justiça Militar intimida alguém? Como é a atuação do TJM?
P2
- Só tem coronel
lá dentro. Qual deles tem curso de Direito? Alguém é promotor ou juiz lá?
Quantos policiais inocentes, que não quiserem pertencer a máfia foram parar lá
e eles condenaram? Para que existe isso, esse TJM? Para o alto comando não
existe lei, a lei é eles. Eu quero saber porque oficial não é mandado embora da
PM quando comete um crime? Porque o soldado é expulso e condenado, enquanto o
oficial é transferido?
Fórum
– O
auto de Resistência Seguida de Morte está sendo usado da forma correta ou
banalizou?
P1
- Até a gente lá
dentro desconfia.
P2
- Está tão na
cara que não é verdade, que não tem mais quem acredite. Se os oficiais
inventarem esse teatro para se proteger, nada acontece. Porque a corregedoria
da Polícia não investiga policiais? Oficial ganha R$ 20 mil por mês? Ganha
carro? Eu soube que oficiais ganharam carros da Honda. Por que a corregedoria
não bate pesado lá em cima?
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